Pintor Carlos Reis Agora, no fim da vida Como mendigo que sou, Me sinto preocupado, Intrigado e num momento Me pergunto, embaraçado, Se faço ou não testamento. Não tendo, como não tenho E nunca tive ninguém, Pra quem é que eu vou deixar Tudo o que eu tenho: os meus bens? Pra quem é que vou deixar, Se fizer um testamento, Minhas calças remendadas, O meu céu, minhas estrelas, Que não me canso de vê-las Quando ao relento deitado Deixo o olhar perdido, Distante, no firmamento? Se eu fizer um testamento Pra quem é que vou deixar Minha camisa rasgada, As águas dos rios, dos lagos, Águas correntes, paradas, Onde às vezes tomo banho? Pra quem é que vou deixar, Se fizer um testamento, Vaga-lumes que em rebanhos Cercam meu corpo de noite, Quando o verão é chegado? Se eu fizer um testamento Pra quem vou deixar, Mendigo assim como sou, Todo o ouro que me dá O sol que vejo nascer Quando